Ah! Napoleão!

Fazer uma viagem enlatada é uma experiência que todos deveriam ter na vida antes de envelhecer, porque depois perde a graça. Fiz uma assim com meus pais pela CVC (Carregando Velhinhos Cansados, como eles mesmo dizem), dessas que prometem te levar de ônibus a 125 cidades e 38 países em 10 dias e que a soma de idade de todos no grupo passa dos 3 mil anos. Tudo é muito rápido, como numa partida de futebol transmitida pelo rádio:

- Vejam senhoras e senhores agora à nossa direita vocês estão vendo que acabamos de passar pela Torre Eiffel aproveitem para tirar fotos porque mais adiante à esquerda teremos o Arco do Triunfo que não estáááá maaaais lá, ficooooooou para trás! Em seguida o castelo à direita estátua à esquerda praça à direita prédio à esquerda monumento à direita ruína à esquerda, paroooooou para tirar foto! Dois minutos de desconto! Foto! Foto! Foto! Correeeeu para ônibus passou pelo Portão de Brandemburgo passou pelo Coliseu passou pelo museu passou pelo Vaticano passou pelo Big Ben passou pelo Kremlin passou pela Torre de Pisa passou pelo palácio passou pelo aeroporto e chegou! Chegooooooooooou no Brasiiiiiiiiiiiil!

Você volta para casa precisando de férias. O único tempo livre que se tem para descansar é gasto para comprar ímãs de geladeira com as velhinhas.

Muito bem. A guia reunia todos ao seu redor feito um rebanho de ovelhas, dentro de um palácio austríaco. Contou a história da dinastia Habsburgo, mostrava uma cadeira, os jardins através da janela, uma mesa, um quadro, essas coisas... E todos respondiam em uníssimo:

- Ooooh!

E click! Click! Click! Click! Click! Já que era proibido usar flash dentro do museu.

Uma senhora (que já havia se perdido numa cidade antes), dessa vez vinha apoiada em um dos meus braços. Entramos num dos quartos do palácio, a guia apontou um quadro e perguntou:

- Vocês sabem quem é aquela mulher?

Ninguém sabia.

- É Maria Leopoldina, esposa de Dom Pedro I. Como todos sabem, ela era uma Habsburgo.

- Ooooh!

Click! Click! Click! Click! Click!

Contou que, na verdade, aquele era o quarto de sua irmã, Maria Luísa da Áustria. Mostrou a cama.

E click! Click! Click! Click! Click!

Falou dos detalhes em ouro do teto, das obras de arte.

Click! Click! Click! Click! Click!

O chão, o banheiro e tudo que tinha para ser dito.

E click! Click! Click! Click! Click!

A velhinha que me acompanhava tinha o olhar perdido. Óculos de aros e lentes grossas, cabelo branco num corte estilo cabeça de cogumelo. A guia falava do teto, ela olhava para o quadro. A guia falava da janela, ela olhava para chão, sempre procurando e parecendo não encontrar nada, na contramão do resto do grupo. Então a guia concluiu:

- E... Para concluir, Maria Luísa da Áustria, também foi imperatriz da França, pois foi a segunda esposa de Napoleão Bonaparte.

Minha companheira eriçou as sobrancelhas por trás dos óculos, olhou para a guia como se finalmente tivesse entendido algo e exclamou alto, para susto de todos que estavam no museu, até quem não era da excursão:

- AH! NAPOLEÃO!

E Flash!

Acho que foi a única palavra, de tudo que foi dito, que fez algum sentido. Imagino-a depois, mostrando as fotos de sua estadia na Áustria para seus filhos e netos, apontando para essa foto em particular e dizendo assim:

- Essa aqui, é a casa de Napoleão!