Ah! O Pão de Açúcar, esse lugar de gente feliz! Que desperta em mim todo atavismo dos meus instintos mais primitivos de caçador-coletor. Na certeza de que, para matar minha fome, matar um mastodonte com uma pedra lascada amarrada à ponta de uma vara, é tarefa mais fácil que conseguir alguém para colocar três pãezinhos em saquinho de papel e me entregar em mãos. Ah! Essa enorme padaria, esses frios, essa lanchonete, metros e metros de balcões tão densamente habitados por atendentes com uma das luas de Saturno. Escute o eco! Ouça o silêncio... Mundo, mundo, vasto mundo...
Ah! Esse lugar de gente feliz! Que rivaliza a teoria do desaparecimento dos neandertais: para nós os homo sapiens, matar nossa sede bastava abrir a boca do lado de fora de uma caverna, e a água fresca do degelo glacial caía em nossa garganta. Os neandertais precisavam ir ao Pão de Açúcar e se deparar com uma gôndola de água com gás, com gás, com gás, com gás, com gás, com gás, coca zero.
- Não tem água sem gás?
Vinte minutos depois aparece alguém responsável pelo setor e me apresenta uma novidade:
- Só tem água com gás.
Ah! Essa variedade!
Ah! Esse mercado social! De trabalhadores felizes! Que contrata pequenos aprendizes e senhoras aposentadas para dar um novo sentido em sua vidas ociosas. O que, diga-se a verdade, é bastante louvável. Mas não para trabalhar na padaria – onde só trabalha a solidão – nem recolhendo carrinhos e cestas. Mas para ficar no caixa. E eu conto um, quatro, cinco, oito caixas! Todos desprovidos de funcionários, apenas os dois últimos funcionam no horário de pico. Num deles um garoto de 14 anos, no outro, uma senhora de 92. Em comum entre eles apenas o crachá, onde se lê: “Em Treinamento”.
Ah! Esse mercado comunista! Que faz eu viver na pele o que é estar na União Soviética dos anos 1960. Filas, filas e filas, famílias querendo apenas papel higiênico, outros, como eu, pão e água. E o tempo passa e fila não anda.
Ah! Esse supermercado de serviços! Estou na fila por um bom tempo e a pessoa na minha frente resolve pagar, além das compras, a conta de água, luz, telefone e colocar créditos no celular dela, do marido e dos dois filhos, cada um um CPF. E aquela fila... Na minha vez eu passo os três pães, uma coca zero (!?) e uma garrafa de vinho que escolhi para afogar a felicidade.
Ah! Esse mercado tecnológico! O sensor ótico que lê os códigos de barras quase nunca lê. É mais cego que a senhora de 92 anos que está em treinamento. Quando eu era criança, o caixa tinha que digitar preço por preço, girar aquela manivela e ao final vinha a conta total. E era rápido, mesmo com os preços em milhares de cruzeiros. A senhora passa o código de barras do vinho uma, duas, três, quatro vezes, não tem jeito não vai funcionar. Ela precisa digitar todo o código. Ajeita os óculos, afasta a garrafa a uma distância de um braço e começa, lentamente, a digitar o 262858816930 do código de barras ao invés do 36,33. A primeira vez não dá certo, a segunda também. Na terceira sim. Total: R$ 43,37. Lá é um pouquinho mais caro mesmo. Pago com uma nota de 50, ela abre o caixa não tem troco. Chama a Joyce.
- Joyce! Jooooooooyce! Troco!
A Joyce está enfadada atrás de um balcão, com a cabeça apoiada em uma das mãos:
- Já vou!
A senhora me informa:
- Moço, só um minutinho que vou buscar o troco para você.
- Tudo bem. Se eu tiver uma alimentação saudável, praticar esportes e, com os avanços da medicina, posso viver uns oito anos a mais que a senhora. Portanto, não tenho pressa.
Eu recebo o troco e estou livre. Ah! A felicidade! E lá vou eu, descendo a rua de minha casa, R$ 43,37 mais pobre, 1h35min mais velho e feliz! Feliz! Feliz! Feliz! Louco por um churrasco de mastodonte.
E você, o que faz você feliz?